31.10.03
De Oliver Twist ao CĂ©rebro Humano
(Publicado originalmente na Play #2)
A literatura de Charles Dickens e os links têm muito em comum. Formigueiros e a Internet são igualzinhos, afinal ambos são sistemas que se organizam sozinhos, sem nenhuma inteligência central. E a interface do Macintosh e as catedrais góticas são a mesma coisa em escalas diferentes: formas de tornar o inimaginável visível. Claro que assim, soltas, essas idéias parecem meio absurdas. Mas, quando articuladas com as outras idéias presentes nos livros de Steven Johnson, elas não só fazem sentido como ainda trazem insights sobre nossa relação com os computadores e as redes.
Apesar de pouco usuais, as metáforas que Johnson utiliza tanto em Cultura da Interface (disponível no Brasil pela Jorge Zahar Editor) quanto no recém-lançado Emergence foram bem recebidas. Ele acredita que quando CI foi lançado, em 1997, havia a impressão de que alguém precisava traduzir o discurso sobre o mundo ciber em um contexto mais tradicional e literário. Se falava muito em "mudanças de paradigma" e deixar para trás o mundo impresso e os elementos de continuidade quase não eram destacadas. "Como meu livro fazia essa ponte entre os dois mundos, ele acabou sendo recebido como algo conciliatório" lembra Johnson, "quando na verdade eu estava defendendo uma tese bastante radical sobre a importância do design de interface".
"Bastante radical" é uma boa descrição da idéia sobre a qual Cultura da Interface está montado. Se aproximando bastante de McLuhann - autor do slogan mal compreendido "o meio é a mensagem" - o livro admite que o computador modifica a maneira que criamos e nos comunicamos. Mas, como o computador é uma máquina sem uma função, são as interfaces que determinam como entendemos os computadores.
A partir dessa premissa, Johnson examina diversos aspectos das interfaces atuais, comparando-os com outros meios de comunicação e mesmo idéias de campos "alienígenas", como a biologia, a psicologia e a crítica literária. O livro foi um sucesso e acabou se tornando um ponto de partida para outras discussões que, com um pouco de sorte, vão acabar se cristalizando em uma teoria para a crítica das interfaces. Ele espera que "agora que a bolha das ponto.com estourou, vamos poder retornar às questões mais complicadas e interessantes".
Tudo Culpa da Wired
Se tanto a abordagem quanto a linguagem dos livros de Johnson são diferentes do usual quando se trata de computadores, a explicação está na formação do seu autor. Ao contrário de muitos pensadores do ciberespaço, ele não estudou nem engenharia, em computação, e sim semiótica - a disciplina que estuda os processos pelos quais as mensagens são compreendidas - na Brown University, onde o programa se centrava no estudo dos meios de comunicação modernos, inclusive os computadores.
"De certo modo, a minha bagagem em semiótica me preparou para pensar a web e as interfaces digitais, uma vez que me deu as ferramentas para pensar sobre o impacto social do novo meio", analisa ele, que estudou literatura. "Eu me concentrei nos romances da Revolução Industrial na Inglaterra e havia uma forte conexão entre cultura e tecnologia na minha pesquisa".
Johnson manteve um interesse paralelo aos seus estudos: os computadores, principalmente o Macintosh. Ele chegou a trabalhar com programação e design gráfico, mas ele só percebeu que seus interesses poderiam convergir lá por 1993, com as primeiras edições da revista americana Wired. "Foi quando eu percebi que eu podia escrever sobre as novas tecnologias como produtos culturais".
Dessa descoberta, nasceu a Feed, uma das mais conceituadas revistas de cultura na rede - e uma das poucas que não mudou seu foco para os negócios durante a febre da Nasdaq. A revista fechou em junho do ano passado, justamente por conta do estouro da bolha. "Eu estou pensando em algumas opções para reviver a Feed", diz Johnson, "apesar de estar gostando bastante de ser um escritor (e pai) em tempo integral pela primeira vez em minha vida"
Emergence, o segundo livro de Johnson, se desenvolveu a partir de temas já tocados em Cultura da Interface: as relações entre o urbanismo e o design de interface e os chamados "agentes inteligentes" - programas criados para desempenhar sozinhos certas funções. "Tanto as cidades, quanto os agentes vão se tornando mais inteligentes com mais usuários, sem nenhum - líder - ditando como eles devem se comportar. O livro é uma espécie de tributo a esse poder".
Com "emergência", Johnson descreve o fenômeno pelo sistemas de elementos interconectados, mas não muito inteligentes sozinhos, acabam formando um nível superior de inteligência. Mais ou menos como organizações terroristas ou a cidade de Nova Iorque. Ele acredita que os ataques de 11 de setembro deixaram claro o poder e o poder de regeneração intrínsecos às organizações descentralizadas. "A capacidade de recuperação de NY em resposta aos ataques é um exemplo maravilhoso da organização expontânea da cidade a protegendo de ataques externos. Já a rede de Bin laden é um exemplo de um sistema distribuído planejado para fins mais nefastos", exemplifica Johnson.
Emergence mal foi lançado e seu autor já está planejando o próximo livro. "Ele vai ser sobre o cérebro, mas ainda estou pensando nos detalhes", diz Johnson, continuando seu caminho particular iniciado com Dickens.
A literatura de Charles Dickens e os links têm muito em comum. Formigueiros e a Internet são igualzinhos, afinal ambos são sistemas que se organizam sozinhos, sem nenhuma inteligência central. E a interface do Macintosh e as catedrais góticas são a mesma coisa em escalas diferentes: formas de tornar o inimaginável visível. Claro que assim, soltas, essas idéias parecem meio absurdas. Mas, quando articuladas com as outras idéias presentes nos livros de Steven Johnson, elas não só fazem sentido como ainda trazem insights sobre nossa relação com os computadores e as redes.
Apesar de pouco usuais, as metáforas que Johnson utiliza tanto em Cultura da Interface (disponível no Brasil pela Jorge Zahar Editor) quanto no recém-lançado Emergence foram bem recebidas. Ele acredita que quando CI foi lançado, em 1997, havia a impressão de que alguém precisava traduzir o discurso sobre o mundo ciber em um contexto mais tradicional e literário. Se falava muito em "mudanças de paradigma" e deixar para trás o mundo impresso e os elementos de continuidade quase não eram destacadas. "Como meu livro fazia essa ponte entre os dois mundos, ele acabou sendo recebido como algo conciliatório" lembra Johnson, "quando na verdade eu estava defendendo uma tese bastante radical sobre a importância do design de interface".
"Bastante radical" é uma boa descrição da idéia sobre a qual Cultura da Interface está montado. Se aproximando bastante de McLuhann - autor do slogan mal compreendido "o meio é a mensagem" - o livro admite que o computador modifica a maneira que criamos e nos comunicamos. Mas, como o computador é uma máquina sem uma função, são as interfaces que determinam como entendemos os computadores.
A partir dessa premissa, Johnson examina diversos aspectos das interfaces atuais, comparando-os com outros meios de comunicação e mesmo idéias de campos "alienígenas", como a biologia, a psicologia e a crítica literária. O livro foi um sucesso e acabou se tornando um ponto de partida para outras discussões que, com um pouco de sorte, vão acabar se cristalizando em uma teoria para a crítica das interfaces. Ele espera que "agora que a bolha das ponto.com estourou, vamos poder retornar às questões mais complicadas e interessantes".
Tudo Culpa da Wired
Se tanto a abordagem quanto a linguagem dos livros de Johnson são diferentes do usual quando se trata de computadores, a explicação está na formação do seu autor. Ao contrário de muitos pensadores do ciberespaço, ele não estudou nem engenharia, em computação, e sim semiótica - a disciplina que estuda os processos pelos quais as mensagens são compreendidas - na Brown University, onde o programa se centrava no estudo dos meios de comunicação modernos, inclusive os computadores.
"De certo modo, a minha bagagem em semiótica me preparou para pensar a web e as interfaces digitais, uma vez que me deu as ferramentas para pensar sobre o impacto social do novo meio", analisa ele, que estudou literatura. "Eu me concentrei nos romances da Revolução Industrial na Inglaterra e havia uma forte conexão entre cultura e tecnologia na minha pesquisa".
Johnson manteve um interesse paralelo aos seus estudos: os computadores, principalmente o Macintosh. Ele chegou a trabalhar com programação e design gráfico, mas ele só percebeu que seus interesses poderiam convergir lá por 1993, com as primeiras edições da revista americana Wired. "Foi quando eu percebi que eu podia escrever sobre as novas tecnologias como produtos culturais".
Dessa descoberta, nasceu a Feed, uma das mais conceituadas revistas de cultura na rede - e uma das poucas que não mudou seu foco para os negócios durante a febre da Nasdaq. A revista fechou em junho do ano passado, justamente por conta do estouro da bolha. "Eu estou pensando em algumas opções para reviver a Feed", diz Johnson, "apesar de estar gostando bastante de ser um escritor (e pai) em tempo integral pela primeira vez em minha vida"
Emergence, o segundo livro de Johnson, se desenvolveu a partir de temas já tocados em Cultura da Interface: as relações entre o urbanismo e o design de interface e os chamados "agentes inteligentes" - programas criados para desempenhar sozinhos certas funções. "Tanto as cidades, quanto os agentes vão se tornando mais inteligentes com mais usuários, sem nenhum - líder - ditando como eles devem se comportar. O livro é uma espécie de tributo a esse poder".
Com "emergência", Johnson descreve o fenômeno pelo sistemas de elementos interconectados, mas não muito inteligentes sozinhos, acabam formando um nível superior de inteligência. Mais ou menos como organizações terroristas ou a cidade de Nova Iorque. Ele acredita que os ataques de 11 de setembro deixaram claro o poder e o poder de regeneração intrínsecos às organizações descentralizadas. "A capacidade de recuperação de NY em resposta aos ataques é um exemplo maravilhoso da organização expontânea da cidade a protegendo de ataques externos. Já a rede de Bin laden é um exemplo de um sistema distribuído planejado para fins mais nefastos", exemplifica Johnson.
Emergence mal foi lançado e seu autor já está planejando o próximo livro. "Ele vai ser sobre o cérebro, mas ainda estou pensando nos detalhes", diz Johnson, continuando seu caminho particular iniciado com Dickens.