2.11.03

Um Romance em Novembro


É bem possível que você já tenha pensado em escrever um romance. Um épico interplanetário. Uma história de detetives. Os encontros e desencontros amorosos que acontecem nas grandes cidades. Ou uma saga que transcende gêneros e será lembrada por gerações. Você junta notas, amontoa trechos e tem o livro "prontinho na sua cabeça". É só sentar e escrever.

Não agora, claro. Afinal, o trabalho, a faculdade, as crianças, tomam todo o seu tempo. Ou você não se sente preparado o suficiente. Enquanto as coisas não se resolvem, o seu romance fica engavetado, esperando que um dia você sente para escrevê-lo.

O National Novel Writing Month é um evento anual que estimula com prazos os aspirantes a romancistas a começarem e terminarem seus livros. Todo mês de novembro, pessoas por todo o mundo tentam o desafio proposto: escrever uma história com começo, meio e fim em cinqüenta mil palavras - 175 páginas.

O prazo apertado coloca a qualidade dos livros em segundo plano, eliminando desculpas e tornando o NaNoWriMo um exercício de perseverança. Tudo para estimular os participantes a transformarem os projetos constantemente adiados em realidade.

Criado em 1999 pelo escritor californiano Chris Baty, o NaNoWriMo é permeado por uma atmosfera de gincana, onde é mais importante cumprir a tarefa que cumpri-la bem. Desde a definição de "romance" - qualquer coisa que um participante definir como tal - ao prêmio - o direito de colocar uma imagem comemorando o feito no seu site - o NaNoWriMo lembra que tudo não passa de uma brincadeira.

Desde a sua primeira edição, o evento só tem crescido em número de participantes e vencedores. Em 99, apenas seis pessoas terminaram seu livro. No ano seguinte, vinte e nove. 2001 viu o número de vencedores ultrapassar os setecentos, triplicando no ano passado. Na edição de 2003, os organizadores esperam ser os padrinhos de quatro mil novos romances - muitos deles por autores de primeira viagem.

Competidores

Embora a esmagadora maioria dos gincanistas sejam americanos, há participantes por todo o mundo, incluindo alguns brasileiros. Os motivos para participar são muitos, mas a falta de expectativas declaradas parece ser partilhada por todos. Embora ninguém descarte completamente a possibilidade de tentar a publicação se o resultado surpreender - feito só alcançado por três frutos do projeto até hoje - os participantes estão mais preocupados em encaixar o tempo dedicado à ficção na agenda de novembro.

A advogada paulista Ione Moraes, 26, não vai ter muitos problemas para completar as cinqüenta mil palavras. Sem trabalho no momento, Ione acredita que vai conseguir cumprir seu objetivo de escrever com "com alguma qualidade". Apesar de nunca ter tentado um romance, ela cultiva o hábito de escrever. Além de manter o blog A Menina do Didentro, a advogada colaborou com o e-zine Spamzine e com o escritor André Takeda no projeto Primeiro Parágrafo.

Como recomendado pelos organizadores do NaNoWriMo, Ione está mirando baixo, tendo como diretriz escrever literatura de entretenimento, dando atenção particular à criação dos dois personagens que se conhecem nas coincidências do texto. "Vendo alguns novos escritores, com texto fluente", diz ela, "acabo achando que vou conseguir."

Ubiratan Alberton, 21, pretende aproveitar as noites em claro para escrever. "Se eu me aplicar bastante", diz o estudante da Unicamp, "acho que posso conseguir". Alberton não costuma escrever ficção com freqüência, mas se empolgou com o desafio e se identificou com as descrições de paralisia diante da página em branco relatadas no site.

Fã de fantasia e ficção científica, Alberton pretende escrever um romance de "fantasia industrial", levemente inspirado pela linha de roleplaying games Exalted. Completando o número obrigatório de palavras, o romance vai circular de qualquer maneira, seja na Internet.

O estudante de computação Thiago Chaves, 20, tem dúvidas se vai conseguir, apesar de não estar muito preocupado com o planejamento. Depois de ter tentado o desafio no ano passado, quando ia escrevendo aquilo que lhe ocorresse na hora, Chaves prefere aproveitar o acaso criativo. "Sai muita coisa que eu que eu teria vergonha de mostrar a mim mesmo, mas no meio acaba saindo alguma coisa que me surpreende", conta ele. Sobre os planos para o livro, caso consiga completá-lo, Chaves diz que com certeza não vai divulgá-lo, apontando que o objetivo do NaNoWriMo "não é escrever um livro bom, e sim conseguir escrever um livro."

O escritor paulista Ryoki Inoue discorda de Chaves. Para ele, "um livro escrito deve ser publicado". Inoue acredita que o evento pode revelar novos talentos e criar novos escritores, apesar de achar que os prazos não são necessariamente um estímulo para todos os escritores. "Conheço muitos romancistas que levaram anos para escrever um livro e que terminaram suas obras", diz ele. Irônico para um homem que está no Guinness com 1070 livros publicados, entre romances e novelas. Claro que, como escritor profissional, a necessidade de escrever se mais imediata: "preciso escrever, e agora".

Inoue - nunca participou de um NaNoWriMo - acredita que as pessoas que vão tentar o desafio não estão interessadas em conselhos. No entanto, ele recomenda ao escritor neófito "ter perseverança e jamais desistir de seu intento."

Para quem se interessou, o site aceita inscrições até o último dia de novembro. Mas se a faculdade, o trabalho, a falta de tempo ou as crianças estão atrapalhando, você já tem desculpa para adiar o projeto por pelo menos mais um ano.

"Livro? Fica pro ano que vem."

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