29.12.03
O Melhor Documentário de 2003
Pattern Recognition é o primeiro romance do escritor de ficção científica William Gibson passado no "mundo real". O livro, no entanto, carrega muito do arsenal que Gibson desenvolveu para criar seus mundos cyberpunk. A diferença é que ele observa e documenta tendências em lugar de extrapolá-las e tecê-las em panoramas plausíveis.
PR acaba de vez com qualquer questionamento que o autor mais influente sobre Gibson é Raymond Chandler - que recomendava que se desenvolvesse o estilo, já que o resto podem tomar de você. No livro, a cool hunter Cacey é contratada por um mediaman nojento e genial para localizar o criador ou criadores do Footage - pedaços de filme enigmáticos, tocantes e tecnicamente perfeitos que aparecem aleatoriamente na Internet. Puro McGuffin. PR quer mesmo é explorar o panorama cultural contemporâneo.
Por que outro motivo Cacey lembra tanto uma versão da ativista antibranding Naomi Klein? Por que o 11 de setembro apareceria de forma tão marcada - e bem pensada - quanto aparece? Máfia russa, Japão, comunidades online e o estouro da bolha pontocom são costurados em uma história coerente e intrigante. A forma do whodunit é fácil e já batida. Do mesmo modo que Neuromancer - escrito vinte anos antes -, PR vale o esforço pelas paisagens e idéias apresentadas.
Reconhecendo um dos maiores, se não o maior, denominador comum dos nossos tempos, as marcas têm papel central no livro. Juntamente com o design, há uma atenção quase fetichista sobre elas. Computadores, celulares, comidas, tudo tem um nome. Ninguém liga um computador, liga um Cube da Apple, descrito em detalhes, como se eles fossem tão potenciais quanto decks de acesso à Matrix em lugar de produtos conhecidos. Em contrapartida, as pessoas são reduzidas a topoi - tipos com uma ou outra característica própria. Euromales, old money, indies.
Se em outras obras - na citação de bandas de um André Takeda ou na Pocari Sweat do Listener de Ellis - isso não se condensa em nada mais que um catélogo de nomes, em Pattern Recognition isto está integrado à narrativa em diversos níveis. A começar por Cacey, uma mutante totalmente adaptada aos nossos tempos. Seu poder - muito mais legal que o da maioria dos estudantes da Escola Xavier - é perceber se uma marca ressoa com a zeitgeist ou já foi ultrapassada por ela, identificando com apenas um olhar se uma identidade funciona ou não. A fraqueza dela - antes um aspecto secundário do seu poder - é a alergia a marcas saturadas, forte o suficiente para provocar reações físicas.
Entre a habilidade e a busca de Cacey, Gibson cria espaço suficiente para comentar nossas relações com as marcas em diversos aspectos. A cool hunter é capaz de detectar marcas que já ultrapassaram seu pico e se integraram à paisagem ou simplesmente ficaram passè. Essas não provocam mais alergia. Cacey não tem só uma consciência global dos efeitos, mas também local. Marcas que em Nova York não causariam mais nada ainda fazem mal em Londres. E ela precisa se desviar das lojas de antigüidades carregadas de suásticas em Viena. Observações como essas - que às vezes ocupam apenas duas ou três linhas no texto - lotam PR e passam quase despercebidas. Outro exemplo é a insistência de Cacey em chamar a Inglaterra de "mirror world" - um lugar muito parecido com os EUA, mas com pequenas diferenças que a lembram a distância. Pontos para a prosa de Gibson, que se funde perfeitamente ao seu poder de observação, enfiando alguns documentários do People and Arts no meio do romance.
A integração ao contemporâneo do romance, no entanto, deixa a impressão que ele terá uma vida breve enquanto obra literária independente de dicionários e semelhantes. Em poucos anos, com as sucessivas marés de marcas e modas, muito do livro se tornará incompreensível. Por outro lado, Pattern Recognition vai para o lado de O Grande Gatsby, 2001 e os próprios livros de Chandler como mapa mental de sua época.
PR acaba de vez com qualquer questionamento que o autor mais influente sobre Gibson é Raymond Chandler - que recomendava que se desenvolvesse o estilo, já que o resto podem tomar de você. No livro, a cool hunter Cacey é contratada por um mediaman nojento e genial para localizar o criador ou criadores do Footage - pedaços de filme enigmáticos, tocantes e tecnicamente perfeitos que aparecem aleatoriamente na Internet. Puro McGuffin. PR quer mesmo é explorar o panorama cultural contemporâneo.
Por que outro motivo Cacey lembra tanto uma versão da ativista antibranding Naomi Klein? Por que o 11 de setembro apareceria de forma tão marcada - e bem pensada - quanto aparece? Máfia russa, Japão, comunidades online e o estouro da bolha pontocom são costurados em uma história coerente e intrigante. A forma do whodunit é fácil e já batida. Do mesmo modo que Neuromancer - escrito vinte anos antes -, PR vale o esforço pelas paisagens e idéias apresentadas.
Reconhecendo um dos maiores, se não o maior, denominador comum dos nossos tempos, as marcas têm papel central no livro. Juntamente com o design, há uma atenção quase fetichista sobre elas. Computadores, celulares, comidas, tudo tem um nome. Ninguém liga um computador, liga um Cube da Apple, descrito em detalhes, como se eles fossem tão potenciais quanto decks de acesso à Matrix em lugar de produtos conhecidos. Em contrapartida, as pessoas são reduzidas a topoi - tipos com uma ou outra característica própria. Euromales, old money, indies.
Se em outras obras - na citação de bandas de um André Takeda ou na Pocari Sweat do Listener de Ellis - isso não se condensa em nada mais que um catélogo de nomes, em Pattern Recognition isto está integrado à narrativa em diversos níveis. A começar por Cacey, uma mutante totalmente adaptada aos nossos tempos. Seu poder - muito mais legal que o da maioria dos estudantes da Escola Xavier - é perceber se uma marca ressoa com a zeitgeist ou já foi ultrapassada por ela, identificando com apenas um olhar se uma identidade funciona ou não. A fraqueza dela - antes um aspecto secundário do seu poder - é a alergia a marcas saturadas, forte o suficiente para provocar reações físicas.
Entre a habilidade e a busca de Cacey, Gibson cria espaço suficiente para comentar nossas relações com as marcas em diversos aspectos. A cool hunter é capaz de detectar marcas que já ultrapassaram seu pico e se integraram à paisagem ou simplesmente ficaram passè. Essas não provocam mais alergia. Cacey não tem só uma consciência global dos efeitos, mas também local. Marcas que em Nova York não causariam mais nada ainda fazem mal em Londres. E ela precisa se desviar das lojas de antigüidades carregadas de suásticas em Viena. Observações como essas - que às vezes ocupam apenas duas ou três linhas no texto - lotam PR e passam quase despercebidas. Outro exemplo é a insistência de Cacey em chamar a Inglaterra de "mirror world" - um lugar muito parecido com os EUA, mas com pequenas diferenças que a lembram a distância. Pontos para a prosa de Gibson, que se funde perfeitamente ao seu poder de observação, enfiando alguns documentários do People and Arts no meio do romance.
A integração ao contemporâneo do romance, no entanto, deixa a impressão que ele terá uma vida breve enquanto obra literária independente de dicionários e semelhantes. Em poucos anos, com as sucessivas marés de marcas e modas, muito do livro se tornará incompreensível. Por outro lado, Pattern Recognition vai para o lado de O Grande Gatsby, 2001 e os próprios livros de Chandler como mapa mental de sua época.